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terça-feira, 21 de julho de 2015

A mansidão no trato com o próximo e os remédios contra a COLERA

Por São Francisco de Sales

"(...)

Hás de compreender bem, Filoteia, o que diz Jesus Cristo; que devemos aprender dele a ser mansos e humildes de coração e que estes crisma místico deve estar em nosso coração; é, pois, um perigoso ardil do inimigo deter as almas no exterior destas duas virtudes.


Com efeito muitos só possuem sua linguagem, seu ar e suas maneiras exteriores, e não examinando bem as suas ações interiores pensam ser mansos e humildes e não o são de modo algum; e que logo se vê quando apesar desta humildade exterior e mansidão cerimoniosa, exasperam-se com um ardor e orgulho incríveis à mais leve injúria que lhes façam e à menor palavra com que os magoem de passagem.

A humildade verdadeira e a mansidão sincera são esplêndidos preservativos contra o orgulho e a ira que as injúrias costumam excitar em nós, como esse preservativo que o povo denomina "graça de São Paulo", que faz quem o tomou nada sofra, se for mordido ou picado por uma víbora. Mas, se formos picados pela língua de serpente que tem a detração, se o nosso inflamar, não duvidemos que isto seja um indício evidente  que a nossa humildade e mansidão não são verdadeiras nem sinceras, mas artificiosas e aparentes.

O santo e ilustre patriarca, José, mandando os seus irmãos de volta do Egito, para a casa de seu pai, advertiu-os assim: não brigueis no caminho. Digo-te também, Filoteia, que esta vida é uma viagem que temos que fazer para atingir o céu; não nos zanguemos no caminho uns com os outros; andemos em companhia com os nossos irmãos, em espírito de paz e amizade. Generalizando aconselho-te: nunca por nada te exaltes, se for possível, e nunca, por pretexto algum, abras teu coração à ira; pois São Tiago diz expressamente: a ira do homem não opera a justiça de Deus.

Deve-se resistir ao mal e corrigir os maus costumes dos subalternos com santo ânimo e muita firmeza, mas sempre com uma inalterável mansidão e tranquilidade; nada pode aplacar tão facilmente um elefante irritado com a vista de um cordeirinho, e o que mais diminui o ímpeto de uma bala de canhão é a lã.

A correção feita só com a razão recebe-se sempre melhor do que aquela que encerra também a paixão, porque o homem se deixa levar com facilidade pela razão, a que naturalmente é sujeito, ao passo que não pode suportar que o dominem pela razão. Por isso, quando a razão quer fortificar-se pela paixão, faz-se odiosa e perde ou ao menos atenua a sua autoridade, por chamar em seu apoio a tirania e a paixão.

Quando os príncipes visitam com suas famílias os seus Estados em tempo de paz, os povos julgam-se muito honrados com a sua presença e dão largas às sua alegria; mas, quando passam à frente de seus exércitos, esta marcha muito lhes desagrada, porque, embora lhes seja de interesse, sempre acontece, por mais disciplina que reine, que um ou outro soldado mais licencioso cause danos a muitos particulares.

Do mesmo modo se a razão procura com mansidão seus direitos de autoridade por meio de algumas correções e castigos, todos aprovarão e a estimarão, ainda que seja com exatidão e rigor; mas, se a razão mostra indignação, despeito e cólera, que Santo Agostinho chama os seus soldados, ela mais faz-se temer que amar e perturba e oprime a si mesma. É melhor, diz S. Agostinho, escrevendo a Profuturo, fechar inteiramente a entrada do coração à cólera, por mais justa que seja, porque ela lança raízes tão profundas que é muito difícil arrancá-las; assemelha-se a uma plantazinha que se transforma em uma árvore enorme. Não é sem razão que o apóstolo proíbe que deixemos pôr-se o sol sobre a nossa cólera, porque durante a noite ela se converterá em ódio, torna-se quase implacável e nutre-se no coração, de mil arrazoamentos falsos; pois ninguém teve jamais a sua cólera por injusta. 

A ciência de viver sem cólera é melhor do que a de servir-se dela com sabedoria e moderação; e se, por qualquer imperfeição ou fraqueza, esta paixão surpreender o nosso coração, é melhor reprimi-la imediatamente que procurar regrá-la, torna-se senhora da graça e faz como a serpente que, por qualquer buraco por onde mete a cabeça, passa facilmente com todo o corpo. Mas como - hás de perguntar, de certo - qual é o melhor meio de reprimi-la?

É preciso filoteia, que, logo ao sentires o seu primeiro ataque, concentres todas as forças de tua alma contra ela, não de um modo brusco e impetuoso, mas doce e eficazmente; porque, como se vê, muitas vezes nas audiências dos escritores etc., que os empregados fazem mais barulho que aqueles a quem pedem silêncio, acontece também frequentemente que, querendo reprimir a c´lera com impetuosidade, ainda nos perturbamos mais, e o coração, estando assim perturbado não pode ser senhor de si mesmo. 

Depois deste suave esforço, segue o conselho que S. Agostinho dava em sua velhice ao jovem Bispo Auxílio: Faze, costumava dizer-lhe, o que um homem deve fazer, e, se em alguma circinstância da vida tiveres razão de exclamar com Davi: Conturbado com grande pesar está meu olho, recorre, imediatamente a Deus, dizendo com o mesmo profesta: Tende misericórdia de mim, Senhor, para que Ele, estendendo a sua mão direita sobre o teu coração, lhe reprima a cólera. Significa que devemos invocar o auxílio de Deus logo que nos sentimos excitados, imitando os apóstolos no meio da tempestade; e Ele mandará de certo às nossas paixões que se acalmem e a tranquilidade voltará à nossa alma. 

Advirto-te ainda que faças esta oração com uma suave atenção e não com um esforço violento do espírito; esta é a regra geral que se deve observar em todos os remédios contra a cólera.

Logo que, mostrares que levada pela ira, cometestes alguma falta, repara-a sem delongas, por um ato de mansidão e brandura para com aquela pessoa contra quem te irritastes; pois se é uma precaução salutar contra a ira, é um remédio eficacíssimo repará-la imediatamente por um ato de brandura: as feridas recentes são, como se afirma sempre, mais fáceis de curar do que as antigas.

Demais, quando estás com o ânimo calmo e sem motivo algum de irritar-te, faze um grande provimento de brandura e benignidade, acostumando-te a falar e a agir sempre com este espírito, tanto em coisas grandes como pequenas; lembra-te que a Esposa dos Cantares não só tem o mel nos lábios e na língua o tem também debaixo da língua, isto é, no peito, onde com o mel possui também o leite. 

Isto nos mostra que a brandura com o próximo deve residir no coração e não só nos lábios, e que não é bastante ter a doçura do mel, que exala um cheiro agradável, isto é, a suavidade de uma conversa honesta com pessoas estranhas, mas devemos ter também a doçura do leite no lar doméstico, para com os parentes e vizinhos. É o que falta a muitas pessoas, que fora de casa parecem anjos e em casa vivem como verdadeiros demônios".

São Francisco de Sales - Introdução à Vida Devota - Filoteia. Pag. 179 a 181. Vozes de bolso.

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