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sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Da Paciência na desolação Espiritual

Santo Afonso de Ligório

Devemos, finalmente, praticar a paciência no desamparo espiritual. É este o sofrimento mais doloroso e atroz que pode atingir uma alma que ama a Deus. Quando um cristão piedoso goza de consolações espirituais, todas as injúrias, todas as dores, todas as perdas e perseguições não são capazes de perturbar; antes aumentam a alegria de seu coração por lhe darem ocasião de oferecer ao Senhor esses padecimentos e unir-se mais intimamente com ele. Ao contrário, causa a uma alma que ama a Deus o mais atroz tormento não sentir mais em si nenhuma devoção, nenhum zelo, nenhum santo desejo, mas só frieza e aridez na oração e na santa comunhão. É prova de seu amor quando continua no seu caminho, sem nenhum estímulo sensível e até sentindo repugnância interna e tormento de espírito. 

"O Senhor prova aqueles a quem ama por meio de secura de espírito e tentações" diz a Santa (Vida, c.11). 


Achando-se uma vez a beata Ângela de Foligno em um tal estado, queixou-se ao Senhor de a ter abandonado. "Não, minha filha, lhe respondeu o Senhor, amo-te, agora, mais que antes e tenho-te mais unida a mim do que nunca."

É um engano, diz S. Francisco de Sales, querer medir a piedade segundo o grau de consolação que se sente no serviço de Deus. A Verdadeira devoção, diz ele, consiste na firme vontade de fazer tudo o que agrada a Deus. Pela aridez espiritual une-se Deus mais intimamente com as almas que ele ama de modo particular. O que nos impede de unir-nos verdadeiramente a Deus é o apego às nossas inclinações desregradas; por isso, quando Deus quer levar uma alma a amá-lo com perfeição, procura libertá-la de todo o apego às coisas criadas. Para conseguir isso, priva-a, pouco a pouco dos bens terrestres: riquezas, honras, parentes, saúde do corpo, etc. Envia-lhe toda a espécie de adversidades: desgostos, humilhações, perda de pessoas amadas, doenças etc. São esses outros tantos meios de que Deus se serve para desprender as almas das criaturas, a fim de que lhe dedique todo o seu amor. 

No começo da conversão, Deus concede algumas vezes à alma muitas consolações interiores, para lhe inspirar o desejo dos bens espirituais, e o comove tanto, que ela derrama uma torrente de lágrimas. Assim, a alma abandona, aos poucos, as criaturas e se entrega a Deus, ainda que mui imperfeitamente, desde que o faz mais em vista daquelas consolações do que para agradar a Deus. Mas ela, pelo contrário, julga amar tanto mais a Deus quanto mais gosto experimenta em seus exercícios de piedade. Quando, por isso tem de deixar esses seus exercícios de predileção, para cumprir com as exigências da obediência ou da caridade ou, então, quando não acha mais as mesmas consolações nesses exercícios, abandona-os ou, então, encurta-os cada vez mais, até que, afinal, não se incomoda mais com eles.

Isso se dá com muitas almas que Deus chama a um amor especial: trilham no princípio o caminho da perfeição, mas só enquanto acham nele consolações sensíveis; quando, porém, cessam os doces sentimentos, tornam-se negligentes e recomeçam o seu antigo modo de vida. É um defeito geral de nossa natureza corrompida que nós procuramos, em tudo o que fazemos, a nossa própria satisfação. 

Por isso precisamos nos convencer que o amor de Deus ou a perfeição não consiste em doces sentimentos e consolações sensíveis, mas em vencer o amor-próprio e cumprir com a vontade de Deus.

Enquanto duram as consolações interiores, não é preciso muita virtude para se renunciar aos prazeres sensuais e suportar com paciência injúrias e adversidades. Uma alma, que é favorecida de Deus com aquele gozo sensível, suporta pacientemente tudo que lhe ocorre; mas sua paciência provém mais do atrativo daquelas consolações do que do verdadeiro amor a Deus.

para que a alma se firme na virtude, afasta-se Deus dela para curá-la de seu amor-próprio, que se compraz naquelas doçuras. Assim, nos atos de oferecimento próprio, de confiança e de amor de Deus, acha frieza e desgosto em vez da antiga alegria com que os praticava; sente fastio em todos os exercícios de devoção, na oração, na leitura espiritual, até na santa comunhão, e parece-lhe que, para si, não há mais salvação. Ela reza e reza sempre de novo, e experimenta uma grande aflição, porque julga que Deus não a quer atender.

Vejamos agora como nos devemos portar a respeito das consolações sensíveis e do desamparo espiritual. Se aprouver ao Senhor, em sua misericórdia, nos consolar com sua visita amorosa e nos fazer sentir sua presença valiosa, não devemos renunciar a esse favor divino, como ensinavam alguns falsos místicos; pelo contrário, devemos recebê-lo com gratidão, sem, contudo esforçarmo-nos em gostar dessa doçura sensível e nela nos comprazermos. Muito menos devemos tolerar o pensamento de que Deus nos favorece mais que aos outros, porque levamos uma vida melhor do que eles; uma tal vaidade obrigaria o Senhor a afastar-se de nós e nos abandonar à nossa miséria.

As consolações espirituais pertencem aos dons mais preciosos que Deus concede a uma alma; elas são muito mais preciosas que todas as riquezas e honras do mundo e, por isso, devemos agradecê-las ao Senhor do fundo da alma. Ao mesmo tempo, porém, longe de nos deleitarmos no gozo sensível delas, devemos humilhar-nos de coração e pôr diante dos olhos os muitos pecados da nossa vida anterior. Devemos pensar que Deus nos concede essas consolações por puro amor e, talvez com a única intenção de nos preparar para que suportemos com paciência alguma tribulação pesada que nos quer enviar.

Portanto, no tempo da consolação espiritual ofereçamo-nos a Deus alegremente para tomar sobre nós toda a espécie de sofrimentos, tanto internos como externos: doenças, perseguições, abandono espiritual, etc., dizendo-lhe: Vede-me aqui, ó Senhor, disponde de mim e de tudo o que é meu como vos aprouver; concedei-me unicamente a graça de vos amar e cumprir perfeitamente vossa vontade; nada mais desejo.

Se uma alma está possuída da convicção de se achar em estado de graça, não perde a paz ainda que seja de uma vez privada de todas as alegrias deste mundo e do céu, visto que ela sabe que ama a Deus e que é de Deus amada. Contudo, para purificá-la cada vez mais e uni-la a si por um amor puro e perfeito, precipita-a o Senhor no caminho do desamparo espiritual, entregando-a assim a um tal sofrimento que de todos os internos e externos é o maior. A alma se encontra então em uma tal escuridão que não sabe mais se está no estado de graça, e parece-lhe que não poderá encontrar mais a Deus.

Algumas vezes permite o Senhor que ela seja atormentada, com inaudita violência, por tentações impuras ou contra a fé, de desespero e até de ódio a Deus. Parece-lhe que ele a repele de si e não ouve mais as suas orações. Sendo sumamente veementes as sugestões do demônio e a excitação da concupiscência e, de outro lado, não sabendo a alma, por maior resistência que oponha, discernir ao certo se luta energicamente contra a tentação ou se nela consentiu, teme cada vez mais que tenha sido inteiramente abandonada por Deus, em justo castigo de sua infidelidade, e tenha de perecer na mais extrema miséria de não poder mais amar a Deus e de ser odiada por ele.

Quando uma alma que ama a Deus se acha em tal estado, não deve perder a coração nem seu confessor deve se admirar disso; essas excitações sensíveis, essas tentações contra a fé e a esperança, que querem arrastar a alma a odiar a Deus, causam-lhe a maior aflição; são elas sugestões do inimigo e não atos deliberados, e, portanto, não são pecados. Para se convencer disso, pergunta-se a uma tal alma, mesmo no tempo de seu maior desamparo espiritual, se quereria cometer deliberadamente um só pecado venial e imediatamente responderá que preferiria sofrer, não só uma vez, mas até mil vezes antes a morte a irrogar uma tal injúria ao Senhor.

Quando se pratica um ato de virtude, por exemplo, se vence uma tentação, se faz um ato de confiança, de amor ou de conformidade com a vontade de Deus, deve-se bem distinguir entre aquele ato de virtude e a consciência de tê-lo praticado. A consciência de ter feito algum bem causa-nos uma certa satisfação; nosso merecimento, porém, está todo na prática do ato de virtude. Deus, por isso, contenta-se com isso e tira a alma a satisfação; priva-a de todo o gosto, que nada confere ao valor da ação, porque o Senhor antepõe o nosso proveito à satisfação de nosso amor-próprio.

S. João da cruz escreveu para uma alma internamente desolada: 'Nunca vos achastes em melhor estado que agora, porque nunca estivestes tão humilhada, tão desprendida do mundo, e nunca conhecestes tão bem vossa miséria como agora; nunca estivestes tão indiferente convosco mesma e nunca vos procurastes menos que agora.'

Seria mesmo inútil no tempo da aridez, alma cristã, e talvez até aumentasse a tua perturbação, se te quisesses convencer que te achas em estado de graça e que teus padecimentos são unicamente uma provação e, de forma alguma, um abandono da parte de Deus, pois Deus não quer que tu o saibas, mas que te humilhes, redobres as tuas orações e faças muitos atos de confiança em sua infinita misericórdia. Queres ter clareza a respeito de teu estado; Deus, porém, deseja que as trevas te circundem.

De resto, segundo S. Francisco de Sales, é uma prova de que se está em estado de graça, quando se está resolvido a nunca consentir em um pecado, por menor que seja. Entretanto, não se pode conhecer claramente nem sequer isso quando se está em profunda desolação; não se deve, portanto, em tal estado, querer sentir tudo ou apalpar com as mãos, mas entregar incondicionalmente nas mãos da divina Bondade. Oh! quão agradáveis são esses atos de confiança e de resignação ao coração de Deus, no meio das trevas da desolação. 

Tenhamos, pois uma grande confiança em Deus, que, como diz S. Teresa, nos ama muito mais do que nós mesmos nos amamos. (...) 


Santo Afonso de Ligório - Escola da Perfeição Cristã; XII Da Paciência. Pag 300 a 303.



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