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quarta-feira, 3 de janeiro de 2018

O Amor do Mundo torna os homens Infelizes - Santo Afonso de Ligório

Que é propriamente este mundo? Um campo cheio de espinhos, lágrimas e dores. O mundo promete grandes recompensas a seus sequazes: divertimentos, alegrias e paz; tudo, porém, se reduz a ilusão, amargura e vaidade. As riquezas honras e prazeres mundanos transformam-se finalmente em tormentos e aflições. E queira Deus não se eternize para muitos amigos do mundo essa aflição, pois são inúmeros, grandes e inevitáveis os perigos de perder a Deus, a alma e o céu no meio do mundo. 

Os bens deste mundo não podem saciar o nosso coração. Os animais que foram criados para a terra, contentam-se com o terrestre; mas o homem que foi criado para Deus, só em Deus pode achar sua satisfação. É o que nos ensina a experiência, pois se os bens terrenos tornassem felizes os homens, seriam certamente felizes os príncipes deste mundo, que possuem em abundância dinheiro, honras e alegrias. E o que vemos? Eles vivem mais descontentes e incomodados que os outros homens, pois onde há maior riqueza e dignidade, reina também maior temor, amargura e inquietação.


Entrou uma vez o imperador Teodósio na cela de um eremita; depois de curta conversação, disse-lhe o imperador: Sabes, meu padre, quem sou eu? Eu sou o Imperador Teodósio. Feliz de ti que aqui vives longe das penas do mundo. Sou um grande senhor da terra, sou imperador; contudo, meu pai, não tenho um dia em que possa comer sossegado.

Como poderia, realmente o mundo dar a paz, sendo um lugar de ilusão, cheio de invejas, temor e inquietação? É verdade que ele oferece algumas miseráveis alegrias, as quais, contudo, mais afligem a alma que a saciam, satisfazendo por alguns instantes os sentidos, mas cravando no coração mil espinhos de amargura. Daqui provém que os grandes sábios do mundo tanto têm de sofrer, visto que, quanto maior for sua grandeza, tanto mais tédio e temor sentirão. 

O mundo, pois, não é um lugar de alegrias, antes de inquietações e tormentos, já que nele reinam as paixões da ambição, da avareza, da sensualidade e não se pode gozar de seus bens à medida e na forma que se deseja, não contentando também o nosso coração, antes o amargurando imensamente a posso de seus bens.

Por meio de tais considerações S. Inácio conseguiu ganhar muitas almas para Deus, especialmente a bela alma de S. Francisco Xavier, que se ocupava então em Paris com projetos de todo mundanos. Francisco disse-lhe uma vez o santo, pondera que o mundo é um traidor que muito promete e nada cumpre. E mesmo que te desse o que saciasse, por quanto tempo gozarás disso? talvez além da tua vida? e que levarás contigo para a eternidade ? já levou talvez um rico uma única moeda ou criado para sua comodidade? que rei levou consigo um único fio de púrpura? - Essas palavras causaram tal impressão em Francisco que, abandonando o mundo, seguiu a Santo Inácio e se fez santo.

Uma felicidade inteiramente isenta de cuidados não pode existir aqui na terra e só a encontraremos na vida futura. Neste mundo que é o lugar de merecer e, por conseguinte, do padecimento, só viverá contente o que suportar tudo com paciência. Assim vivem os santos que gozam de tanto maior paz e tranquilidade, quanto menos bens terrestres possuem e maior paciência demonstram nas tribulações da vida presente.

Mas para que o homem possa ser feliz nesta vida deve também saber em que consiste a felicidade. Está fora de dúvida que mesmo a nossa felicidade natural não consiste em prazeres corporais, mas na paz da alma: esta só se alcança quando o coração se desprende dos vícios e afetos desordenados. Uma tal tranquilidade d´alma é o fruto da conformidade com nossos desejos com as nossas boas ações. Se os humores de nosso corpo estão convenientemente disseminados, acha-se ele são e forte; faltando-lhe isso, está doente e fraco. O mesmo dá-se com nossa alma: deixando-se dominar por um vício ou paixão e assim decompor-se, nem terá nem poderá encontrar verdadeira paz.

Para se gozar dessa verdadeira paz devemos conservar, pelo exercício das virtudes cristãs, nossa alma em conformidade com Deus, com o próximo e conosco mesmos; com Deus pela caridade e obediência a seus preceitos, com o próximo pela caridade fraterna e mansidão, conosco mesmos pela mortificação de nossas paixões e abnegação do amor próprio. Portanto devemos nos desligar das máximas do mundo que corrompem o espírito e a vontade, e nos imbuir de princípios santos que nos conduzam diretamente a Deus. Assim na medida que praticarmos estas virtudes seremos mais ou então menos felizes aqui na terra.

Estejamos convencidos que sem a virtude não pode haver nem há mesmo verdadeira paz. Muito mais feliz é um pobre virtuoso que tantos ricos e grandes da terra que, no meio de sua grandeza, são continuamente atormentados por inúmeros e irrealizáveis desejos e inevitáveis contrariedades. A experiência o prova que há evidência que todo aquele que vive santamente em qualquer estado de vida é feliz, ao passo que quem leva a vida ociosa não acha felicidade nem nas riquezas, nem nas honras terrenas.

Todos os que vivem na desgraça de Deus, já na terra tem de sofrer o inferno, pois o prazer do pecado é um prazer envenenado, que deixa sempre um sabor amargo; além disso, duram só alguns momentos, ao passo que os tormentos e remorsos não cessam mais. É engano querer achar a felicidade na satisfação das paixões: quanto mais procuramos satisfazê-las tanto maiores se tornam nossos tormentos. Que tormentos não sente um ambicioso não podendo alcançar as honras, os cargos e dignidade a que aspira. E mesmo que os alcance desejará subir mais alto, e não o conseguindo fica inconsolável. Que tormento não experimenta ao ver que algum outro, que a seus olhos lhe é inferior, lhe é preferido.

O nosso natural orgulho leva-nos a crer que somos superiores aos outros. Um bom cristão, pelo contrário, não se inquieta vendo-se posposto aos outros, ainda que esteja certo que isso é injusto, consolando-se com o pensamento em Deus.

Que martírio não suporta um avarento no meio de suas riquezas, já pelo temor de as perder, já pela perda mesma; ora porque o lucro é menor que o esperado, ora porque não pode receber o que empresta. O homem probo, porém contenta-se com o pouco que tem e vive satisfeito.

Que horrores não sofre um vingador, desejando vingar-se e não o podendo. E se, para sua maior infelicidade, consegue o seu intento, essa inquietação aumenta em vez de terminar: o temor da justiça humana, a perseguição dos parentes da vítima, as dificuldades da fuga não lhe deixam um momento de sossego. 

Que tormentos não tem de sofrer um libertino em consequência de seus amores criminosos. Que suspeitas, que ciúmes, que amarguras, se não é correspondido, ou se não há possibilidade de realizar seus intentos. E mesmo que o caminho esteja livre, como poderá impedir que os remorsos e o temor da vingança divina lhe dilacerem o coração?

Todos os bens e alegrias do mundo, portanto, não podem tornar feliz o coração do homem. Quem, pois o poderá contentar? Deus! "Regozija-se no Senhor, e ele te dará o que pede teu coração" (Sl 36,4). O coração do homem suspira continuamente por um bem que o satisfaça; ainda que nade em riquezas, honras e prazeres, não encontrará nestes bens finitos seu contentamento, já que foi criado para um bem infinito. Encontrando Deus e unindo-se a Ele, sentir-se-á então plenamente feliz e não desejará mais nada. "Coloca no Senhor teu prazer e ele te dará o que deseja teu coração."

Enquanto S. Agostinho corria atrás dos prazeres dos sentidos, não achou a paz: tendo-se dado, porém, a Deus, encontrou o que procurava. "Inquieto, Senhor, está o nosso coração até que descanse em vós". "Ó meu Deus, agora reconheço que tudo é vaidade e aflição de espírito e que só vós sois a verdadeira paz da alma; tudo acarreta tribulação, só vós trazeis a paz" (Conf., 1.6, c.16). Ensinado pela própria experiência escreve: "Que procuras, ó homem, prendendo-te a tantos bens? Procura o único bem que em si encerra todos os outros bens." (Man. c. 35).

Achando-se o rei David em pecado, não deixava de ir a caça, de banquetear-se e tomar parte em todos os divertimentos; mas os banquetes, os bosques, e as criaturas todas, em que buscava seu prazer, lhe perguntavam: David, queres tornar-te feliz por meio de nós? não, nao estamos em estado de te contentar. Onde está teu Deus? Procura teu Deus, só Ele poderá contentar-te. Por isso, no meio de suas alegrias, não fazia outra coisa que chorar. "Minhas lágrimas foram minha comida dia e noite, enquanto se me dizia continuamente: onde está teu Deus?" (Sl 41, 4).

Fonte: Santo Afonso Maria de Ligório - Escola de Perfeição Cristã. Odouard Saint-Omer.











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