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terça-feira, 12 de junho de 2018

Do desapego dos bens da terra - Santo Afonso de Ligório

"Bem aventurados os pobres de espírito" (Mt 5,3) diz o Salvador, e, "Ai dos ricos" (Lc 6,24). Que quer dizer com isso? Talvez que todos os pobres que imploram a nossa caridade são felizes e que todos os ricos são infelizes? Certamente não; ele quer com isso recomendar a todos, quer ricos, quer pobres, a virtude do desapego, pois muitos pobres há cujos corações estão apegados às coisas terrenas e muitos ricos que delas estão inteiramente desapegados.

1) Quanto ao que se refere aos pobres propriamente ditos, deve-se dizer que, só por sofrerem falta dos bens terrenos, não possuem ainda a pobreza de espírito: para que a possuam requer-se que não queiram possuir nenhuma outra coisa fora de Deus. "Encontro muitos pobres, diz Santo Agostinho, e debalde procuro um", isto é, muitos são de fato pobres, mas poucos em espírito e no desejo. S. Teresa diz dos que são extremamente pobres, mas não em espírito, que eles engam o mundo e a si mesmos. Para que lhes servirá sua pobreza em bens da terra? Quem é extremamente pobre, mas infelizmente alimenta desejos de riquezas, tem simplesmente os incômodos da pobreza e não a virtude. Os pobres verdadeiramente virtuosos não desejam nada fora de Deus e são por isso imensamente ricos. A eles se podem aplicar as palavras de S. Paulo: "Não tem nada e possuem tudo" (2 Cor 6,10) pois, se não possuem bens temporais, exclamam, cheios de consolação: "Vós só, meu Deus, me bastais."


2) Vejamos agora como os ricos e possuidores de bens temporais podem praticar a pobreza de espírito:

a) Em primeiro lugar não devem ter nenhum apego desordenado as suas riquezas. Que são os bens deste mundo? Simples bens aparentes, que não podem satisfazer o coração do homem, "Vós comeis e não vos fartais." (Ag 1,6). "Em vez de matar a nossa fome, esses bens s despertam", diz S. Bernardo. Se os bens deste mundo pudessem satisfazer o homem, seriam os ricos e poderosos plenamente felizes; a experiência, porém ensina o contrário, pois esses homens são em geral os mais infelizes porque vivem continuamente atormentados por temores, ciúmes e tristezas.

Ouçamos a Salomão, que possuía em abundância os bens da terra: Vaidade das vaidades, e tudo é vaidade, afirma ele (Ecle 1, 2), tudo é mentira e engano e, mais ainda, tristeza e aflição de espírito, desde que alma não encontra nela satisfação, antes só aflição e amargura. A isso cresce ainda a circunstância de que aqueles que cuidam sempre em aumentar os seus bens acham-se em  grande perigo de se perderem eternamente. Disse nos previne o apóstolo, dizendo que os escravos da avareza não só são atormentados por muitos cuidados e inquietações e impedidos no seu adiantamento espiritual, como também "caem em tentações e nos laços do demônio e em muitos desejos inúteis e perniciosos" (1 Tim 6,9) que  submergem os homens no abismo da morte e da perdição.

E, de fato, a quantos desvarios, a quantos pecados contra a caridade e a justiça não arrastou a cobiça dos bens terrenos? "Quem amontoa dinheiro, diz S. Ambrósio, dissipa os bens da graça". S. Paulo equipara a avareza a idolatria, pois o avarento faz do seu dinheiro o seu deus, isto é seu último fim e aspiração. 

Se quisermos pertencer a Deus devemos renunciar ao apego dos bens deste mundo. Quem aspira aos bens terrenos, diz S. Felipe Néri, nunca se tornará santo. As riquezas que devemos desejar são as virtudes e não os bens temporais, diz S. Próspero; a caridade, a piedade, a humildade, a mansidão constituirão a nossa grandeza no céu, depois de nos haverem auxiliado na terra no combate contra os inimigos de nossa salvação. 

Para que nos servem os bens deste mundo, se temos de abandoná-los, e se, mesmo agora não são capazes de satisfazer o nosso coração? Procuremos, pois adquirir bens que podemos levar conosco e nos farão uma vez eternamente felizes. Sigamos o conselho do Salvador (Mt 6,19): "Não queirais entesourar para vós tesouros da terra, onde a ferrugem e a traça os consomem... entesourai tesouros do céu."

b) Os ricos podem também praticar a pobreza de espírito, dando esmolas e praticando boas obras. (...)

Para o artigo não ficar muito extenso, finalizamos com uma frase muito importante e uma história muito bonita, que está no fim do artigo de Santo Afonso:

"Uma prova especial de desapego dos bens deste mundo dão os que não se deixam influenciar por dinheiro e bens terrestres, mas só pela virtude, quando se trata do casamento de seus filhos. Um fidalgo, de nome Miguel Faciemon, que foi martirizado no Japão, pelo ano de 1605, deixou uma filha que também foi condenada a morte, mas libertada pelos cristãos, foi levada a Arima. Aí, um homem de posição queria-a para esposa de seu filho. Quando lhe disseram que a jovem estava desposada de tudo e não possuía nenhum dote, respondeu: 'Basta que seja filha de um mártir.'

Texto retirado do livro: 
Santo Afonso Maria de Ligório - Escola de Perfeição Cristã - Edouard Saint-Omer. 




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