Fonte do texto: TEUS VESTIDOS (Por Luciana Lachance)
Você provavelmente já ouviu esta história: “As mulheres não usavam calças, até que veio a guerra e as obrigou a ocupar os postos de trabalho nas fábricas. Foi um caso de necessidade. Não foi nada muito revolucionário”.
Por esta visão romântica, a moda nada teve a ver com a introdução desta peça no guarda-roupa feminino - quase como se todas as mulheres da época houvessem pensado juntas: “vamos usar as calças de nossos maridos para assim trabalharmos melhor”. Além de romântica, é uma visão marxista da história, que tem por método explicar as mudanças como consequências diretas de fatores econômicos e/ou materiais. Cria-se a errônea impressão de que ninguém havia pensado no assunto antes, e apenas depois que as mulheres foram para as fábricas é que as primeiras calças femininas foram lançadas no mercado.
A calça no guarda-roupa feminino: mudança de mentalidade
Felizmente, alguns estudos sobre moda nos mostram que a introdução da calça no guardar-roupa da mulher possui uma trajetória complexa, que vem desde o século XIX (mais expressivamente) [1]. De fato, houveram alguns esforços bastante pontuais neste quesito, e se a mulher não usa, digamos, uma calça desde há muito tempo, é porque as mentalidades ainda não estavam preparadas para isso. A calça se estabeleceu – é difícil precisar quando – como uma roupa de homem – e durante muito tempo seu uso esteve atrelado à alguma outra indumentária que caía por cima das coxas [2].
No caso do homem, porém, há uma grande diferença no uso, pois a calça não é capaz de delinear suas partes desonestas [região íntima], enquanto na mulher é precisamente isto o que acontece: a peça encaixa-se perfeitamente nas suas vergonhas. A calça é igualmente aderente aos quadris e coxas, que são consideradas partes sexualmente atraentes. Uma parte significativa das culturas orientais, por exemplo, em que se costuma dizer pretensamente que a mulher usa “calças” -como a cultura japonesa ou indiana – admitiu o uso desta peça para as mulheres apenas por baixo de longas túnicas ou vestidos, de modo que grande parte da calça fica, na verdade, oculta.
Olhando a história da calça para a mulher, na cultura ocidental, vemos que sua origem está na cultura protestante, que por sua vez, buscou inspiração numa peça turca – em outras palavras, muçulmana [3]. Engraçado é que hoje, quando a mulher católica defende o uso somente de saias, é acusada de “protestante” ou de estar promovendo a “burka” [sic]. Na verdade, a história e a verdade estão ao nosso favor: quem primeiro promoveu a calça foram mulheres protestantes e feministas [da Inglaterra e dos Eua], que estavam propondo uma vestimenta de muçulmanas! Infelizmente, pessoas sem qualquer conhecimento, saem por aí repetindo mantras semelhantes quando na verdade, se trata de uma manobra da Revolução para esconder a real origem das coisas [é só lembrar da "ofensa" de puritanos: primeiro usada pelos nazistas para denegrir católicos que eram contra a roupa de banho imoral dos alemães!]. Entra aí um pecado de espírito… pois, embora ninguém saiba ao certo destas informações, sabem acusar perfeitamente de modo que continuam colaborando com o mal. [Sobre este assunto, estou preparando uma análise mais completa e ilustrada, mas confiram a nota para ver imagens].
Mais relevante seria uma abordagem deste assunto que tomasse como ponto de partida a mudança nas mentalidades e costumes, para assim compreendermos melhor como a mulher ocidental – que passou quase 20 séculos sem usar calças – aderiu à esta peça, a ponto da calça ocupar o lugar central no seu guarda-roupa nos nossos dias. Neste curto artigo não teremos a pretensão de cumprir com o desafio de desenvolver um estudo sobre a introdução da calça no guarda-roupa feminino, mas apenas pontuar alguns aspectos relevantes do tema na década de 40. Com isto, procuramos, contudo, privilegiar o que nos interessa para a modéstia cristã.
A mulher e as calças nos anos 40
Uma das perguntas que as mulheres costumam fazer quando são confrontadas com o tema da calça feminina X modéstia, é “quando foi que as calças começaram a ser confeccionadas realmente para as mulheres”. Elas são movidas em direção a este questionamento devido a um terrível mito que têm se espalhando, cuja autoria não é possível determinar, mas que consiste basicamente no seguinte: se alguns padres ou pessoas dignas falaram mal das calças nos anos 40, 50, 60, é porque “naquela época ainda não havia calças femininas [sic], razão pela qual a mulher realmente ficava masculinizada, gerando a crítica dos sacerdotes”.
Os modelos femininos de calças: uma investida da moda moderna, desde a primeira década do século XX
Na verdade, costuma-se dizer que o primeiro modelo de “calças femininas” foi lançado em 1909, por Paul Poiret, conhecido como “calça odalisca”. [4] Antes disso, porém – por volta de 1890 – já se tem conhecimento de mulheres no campo que usavam calças, para pedalar bicicletas. De qualquer forma, falemos dos esforços da moda que desde o início do século XX – e portanto, de acordo com seus próprios interesses – procurava lançar a “calça feminina”. Com a Primeira Guerra Mundial, algumas mulheres já começavam a ocupar os postos das fábricas – algo que se intensificou na Segunda Guerra – , mas ao contrário do que se poderia pensar, os modelos de calças para mulheres lançados nesta época eram, na sua maioria, calças de passeio, visando atender uma vida feminina mais livre: a mulher agora tinha “uma dose maior de independência, liberdade para circular sozinha pelas ruas e participar de atividades esportivas”. [5] Nos anos 20, ninguém traduziu melhor este sentimento do que a estilista Coco Chanel.
Mais do que um pretenso caso de necessidade por conta do trabalho, a calça no guarda-roupa feminino começou a se estabelecer graças a um novo espírito de se pensar na mulher; graças a uma nova concepção do que a mulher poderia fazer com o tempo que tinha disponível – festas, passeios, clubes, esportes… as roupas, então, visavam estimular este novo estilo de vida, bem diferente do que sempre se concebeu para a mulher, cuja ocupação central era ser mãe, esposa e dona-de-casa. Nos anos 20, a calça de Chanel para passeio, inspirada nos marinheiros, foi aderida por muitas mulheres influenciadas pelas atrizes famosas. O livro “Fashion of a decade: the 1930′s ” [6], traz:
“Pants had been worn by the more avant-garde fashion-conscious woman in thelate 1920s, but by the thirties, they were more acceptable and more widelyadopted.” [Calças haviam sido usadas pelas mulheres mais "antenadas e conscientes da moda" nos anos 20, mas nos anos 30 elas eram mais aceitáveis e mais amplatemente adotadas.]
Em certo sentido, costuma-se também dizer que a calça no guarda-roupa feminino se estabeleceu graças à “pressão feminista”, mas precisamos ter em mente que este não é o movimento feminista que tendemos a pensar, com mulheres saindo nas ruas, com placas nas mãos, completamente panfletárias. É claro que há muitas coisas em comum entre Coco Chanel e Margareth Sanger, mas não se trata de dizer que as mulheres na primeira metade do século XX estavam todas divididas em feministas e não-feministas, cabendo às primeiras o uso de calças. Como foi dito, era uma questão de mentalidade – uma questão profunda, que pode começar nos meios ideologizados e acadêmicos, mas que termina por afetar toda a sociedade.
Mulheres e o uso de calças na década de 40
É através de todo este panorama que procuramos responder a pergunta inicial [quando as calças femininas começaram a surgir?], unicamente porque desejamos difundir esta verdade: em certo sentido, as tais ”calças femininas” (se entendemos com isto a peça feita especialmente para a mulher) estiveram por aqui desde que as mulheres começaram a usá-las. Não, não foram preciso décadas até que algum modista tivesse a ideia de lançar uma calça no formato do corpo feminino. Seria justo dizer que a calça masculiniza não porque algumas mulheres na década de 40 de fato usavam as peças de seus maridos, mas sim porque a calça, numa mulher, não pode ser dissociada do fato de que culturalmente foi uma peça estabelecida para o homem. Mais do que isso: ela retira de cena o formato que sempre – apesar das variações de tamanho, forma, volume – esteve atrelado à mulher, que seria a saia ou vestido.
A calça para mulher é masculinizante por sua própria concepção
É bastante comum encontrar, entre os textos de bispos, padres e pessoas piedosas do século XX [especialmente até meados da década de 70], a referência à calça para mulher como sendo uma “roupa de homem”. O Cardeal Siri, nos anos 60, escreveu um documento sobre o assunto [7], em que condena as mulheres que usam tais “roupas de homens”, esclarecendo que estas são as calças masculinas.
Esta crítica não significa que as mulheres, e ainda mais nos anos 60 [quase 20 anos depois do fim da Guerra], usavam literalmente as calças da seção masculina. “Calças masculinas, traje de homem“: são maneiras de se referir ao uso da calça – independente de como ela fosse – por parte da mulher. Nos anos 40, de fato as mulheres fizeram uso do uniforme masculino nas fábricas – mas como vimos, esta não foi a única realidade. A moda, que vinha desde os anos 20 lançando calças “despojadas” para as mulheres usarem no dia-a-dia, ofereceu uma infinidade de modelos de calças “femininas” nos anos 40, para diversas ocasiões. Haviam calças de noite, de festa, de clube, de jogar tênis, de trabalho…
Acima, vestidos típicos dos anos 40. Abaixo, calças do mesmo período. Comparem e percebam como a calça delineia o corpo da mulher, mesmo sendo um modelo relativamente “folgado”.
Percebam também como a calça, para ser coerente, precisa dispensar todos os adereços que completam a mulher em sua feminilidade: acessórios para o cabelo, luvas, etc.
O livro “Fashion by Decade: The 1940′s“ [8] traz que [por volta de 1941], “a calça já havia se tornado uma peça aceitável para a mulher“. Era aceitável do ponto de vista da sociedade em geral, o que não significa que não houve críticas e resistência. Muitas foram as mulheres que se recusaram a usar calças, e que faziam campanha para evitar seu uso… mas do ponto de vista da mentalidade da época, já estava estabelecido. No entanto, os sacerdotes continuaram a condenar o uso da calça para a mulher… basta lembrar de São Pio de Pietrelcina, que faleceu em 1968: ele negava comunhão à mulheres de calças, e as expulsou sistematicamente de seu confessionário. O que ele diria do nosso atual uso de calças, que piorou bastante e está cada vez mais imoral?
A separação entre os ditos “modelos masculinos e femininos” de calças sempre foram uma linha tênue.
As pessoas costumam usar o argumento de que os modelos de calças masculinos são rigorosamente distintos dos modelos femininos. Hoje, quando vemos que tantos homens e mulheres usam skinny, saruel, cargo, etc., temos de reconhecer que se trata da mesma calça – mas como não se trata do mesmo corpo, há mudanças pouco significativas no que diz respeito ao ajuste à forma. Abaixo, a chamada pantalona, bastante popular na década de 40:
E abaixo, o mesmo modelo de pantalona, nos anos 40, para homens.
Como puderam ver, basta se debruçar de fato em como as coisas se deram, para derrubar alguns mitos envolvendo este costume para a mulher: eis a importância de saber a origem das coisas…
Fiquem com Deus e continuem acompanhando a Semana Especial!
P.S.:Vida Real
Durante as minhas pesquisas, encontrei um flickr onde uma moça disponibilizou uma foto de sua mãe de calças em 1947, com a seguinte nota:
Durante as minhas pesquisas, encontrei um flickr onde uma moça disponibilizou uma foto de sua mãe de calças em 1947, com a seguinte nota:
“Nos anos 50, minha mãe não gostava de me pegar na escola; ela esperava-me a um quarteirão de distância. Por que? Porque ela insistia em usar calças, e as boas freiras do São Francisco Xavier a desencorajavam a esperar na porta da escola.”
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Notas:[1] Conferir: Enciclopédia da Moda. por Georgina O’Hara Callan, 2007.
[2] Exemplo de idumentária masculina, do século XVIII, com Luís XV, Rei da França, usando calças:
[3] Elizabeth Smith Miller e Amelia Bloomer. Sufragistas e feministas que defendiam voto para mulher e coisas do gênero. A primeira criou a peça [a calça bloomer, que deveria ficar embaixo de uma saia]; a segunda é a que de fato fez a introdução do uso, daí o nome ser atribuído à ela.
A proposta da “calça” feminista e protestante começou assim. Mas como a “Guru” não estipulou a medida mínima da saia, obviamente [como acontece onde a imodéstia reina], a saia foi subindo, subindo… acompanhe um pouco da evolução:
Até, que descambou no traje ainda mais masculino, abaixo [Acreditem: é uma mulher, e protestante]:
[4] Por favor, lembrem-se do que é uma “odalisca” e da carga de sensualidade que envolve o imaginário de uma. Eis o modelo da calça:
[5] http://elle.abril.com.br/moda/pecas-basicas/historia-das-calcas-432613.shtml?page=page2
[6] Fashion of a decade: the 1930′s. Maria Constantino.
[7] Cardeal Siri. Notificação concernente às mulheres que vestem roupas de homem. 1960.[8] Fashion By Decade: The 1940′s. Patricia Baker
[6] Fashion of a decade: the 1930′s. Maria Constantino.
[7] Cardeal Siri. Notificação concernente às mulheres que vestem roupas de homem. 1960.[8] Fashion By Decade: The 1940′s. Patricia Baker