Sermão para o 25º Domingo depois de Pentecostes (18 de novembro de 2012)
Padre Daniel Pinheiro
"Filhas de Jerusalém, não choreis sobre
mim, mas chorais sobre vossos filhos. Porque eis que virá um tempo em
que se dirá: Ditosas as estéreis e ditosos os seios que não geraram e os
peitos que não amamentaram". (Lc XXIII, 28-29)
Eis aqui a única referência que Cristo
faz à contracepção e à mentalidade contraceptiva. Claro que essas
palavras de Nosso Senhor são suscetíveis de várias interpretações e se
aplicam a circunstâncias diversas, em particular ao momento da queda de
Jerusalém e mesmo ao fim dos tempos. Mas é claro que Nosso Senhor se
refere, aqui, também à contracepção e à mentalidade contraceptiva. E Ele
o faz no meio de seus maiores sofrimentos, durante a Via Sacra. Durante
toda a história da humanidade nunca vimos um período em que a
contracepção estivesse tão disseminada como em nossos tempos. É preciso
chorar, nos diz Nosso Senhor.
A Igreja tem o direito e o dever dados
por Deus para julgar sobre a moralidade dos atos e esse poder da Igreja
em relação à moral se estende à Lei Natural, à explicação da Lei
Natural. Esta lei decorre da própria natureza das coisas, a lei que
decorre da própria natureza do homem, criada por Deus. Nós vemos que
Deus formou nossas faculdades de um certo jeito e que, consequentemente,
elas devem ser usadas segundo a intenção do Criador, se não quisermos
ofendê-lo e prejudicar a nós mesmos. Em outras palavras, Deus nos fez
de um certo modo e isso traz para nós consequências de como devemos
agir. De forma semelhante, quando se fabrica um carro, o fabricante o
faz de uma certa maneira, tendo em vista seus objetivos. Assim, ele pode
fabricar um carro que funciona somente com gasolina. Ora, se alguém vai
contra a intenção do fabricante e coloca álcool
no tanque de combustível, o carro terá vários problemas e não
funcionará corretamente como deveria, se tivesse sido observada a
intenção do fabricante.
Dentre as faculdades que Deus deu ao
homem, há a faculdade reprodutiva. E Ele formou tal faculdade de forma
que dois aspectos dela sejam inseparáveis. No ato conjugal devem se
encontrar necessariamente juntos os aspectos unitivo e procriativo. O
elemento unitivo consiste no fato de que o ato conjugal, por sua própria natureza, faz do homem e da mulher uma só carne, unindo-os fisicamente. O aspecto
unitivo não é aqui o amor entre os cônjuges, mas a união que faz deles
uma só carne. O elemento procriativo consiste no fato de que o ato
conjugal, por sua própria natureza, está fundamentalmente ordenado à
procriação. Assim, esses dois aspectos do ato conjugal não podem nunca
separar-se. Se alguém os separa irá gravemente contra a lei natural e,
portanto, contra Deus, autor da lei natural. É de suma importância
compreender isso: o aspecto unitivo e o aspecto procriativo não devem
ser separados. Deus quis que os filhos fossem gerados por meio da união
que se realiza no ato conjugal. E essa união pelo ato conjugal só se
justifica quando tal ato é feito sem excluir a procriação.
Essa doutrina imutável da Igreja nos leva a algumas conclusões importantes. Ela condena, por exemplo, a fertilização in vitro
e a inseminação artificial, pois aqui o aspecto unitivo é deixado de
lado. A Igreja é defensora da família e dos filhos, mas não a qualquer
custo. Os fins não justificam os meios. A Igreja não pode ir contra a
lei natural, contra Deus, para favorecer a procriação. Essas práticas
que deixam de lado o aspecto unitivo vão gravemente contra a lei
natural, feita por Deus, e são objetivamente um pecado grave.
Outras consequências decorrem da doutrina
da Igreja. Ela significa que uma pessoa não pode ser esterilizada a fim
de evitar os filhos: ligadura das trompas e vasectomia são gravemente
proibidas e também os que recomendam esses procedimentos e os médicos
que os realizam cometem grave pecado. Esses procedimentos, sendo
possível, devem ser revertidos, se o casal ainda se encontra em idade
fértil. Preservativos e qualquer outro tipo de barreira artificial, como
diafragma, por exemplo, também não são moralmente lícitos. Também as
pílulas não podem ser tomadas, evidentemente, para evitar os filhos. E
vale destacar que essas pílulas não somente impedem a gravidez, como
podem causar aborto, impedindo a fixação do embrião na parede uterina,
por exemplo.
Em 1968, o Papa Paulo VI, na Encíclicar Humanae Vitae, confirmou o ensinamento constante e imutável da Igreja tanto em relação
aos dois aspectos do ato conjugal que não podem ser separados quanto à
proibição dos métodos anticoncepcionais.
Outra, porém, é a avaliação moral dos
assim chamados métodos naturais, quer dizer, aqueles em que o casal
reduz o uso do matrimônio aos dias inférteis da mulher. Em relação aos
métodos naturais, é preciso dizer que é perfeitamente lícito o ato
conjugal no período infértil, pois nesse caso a infertilidade não
decorre da vontade dos cônjuges, mas da própria natureza. Assim o ato
conjugal é lícito quando a infertilidade é natural, decorrente, por
exemplo, do ciclo da mulher ou da idade. Todavia, embora os métodos
naturais sejam em si moralmente lícitos, eles não podem ser usados por
razões de contracepção ou por uma mentalidade contraceptiva, quer dizer,
para evitar os filhos a todo custo ou para reduzir o número de filhos a
um número que seja agradável para o casal.
Para utilizar os métodos naturais de
forma moralmente aceitável, é preciso que haja razões graves para que
uma nova gravidez não aconteça. Destaco bem: são necessárias razões
graves. Essas razões graves podem ser de ordem médica, eugênica, social,
econômica. De ordem médica, física ou psicológica, por exemplo, se uma
nova gravidez traz riscos sérios para a saúde da mãe. De ordem eugênica,
por exemplo, se a probabilidade de o filho nascer com problemas ou
deficiências é grande ou se há grande probabilidade de aborto
espontâneo. De ordem social, por exemplo, se o governo aborta
sistematicamente as crianças de um casal após o nascimento do primeiro,
como é o caso na China. De ordem econômica, se o nascimento de mais um
filho colocará os pais em situação econômica realmente difícil, por
exemplo.
As razões de ordem econômica devem ser
graves: o não conseguir dar o melhor colégio ou a melhor comida para o
filho não são razões graves. O ter de comprar um carro pior ou ter de
baixar o status econômico também não são razões graves. Tem-se exagerado
muito a questão econômica para justificar o uso dos métodos naturais.
Repito: a razão econômica deve ser realmente grave. Como podem surgir
muitas dúvidas sobre o saber se uma razão é ou não suficiente para a
utilização dos métodos naturais, é preciso consultar um padre de segura
doutrina moral. Pio XII diz: “se essas graves razões (para utilizar os
métodos naturais) não estão presentes, a vontade de evitar habitualmente
a fecundidade da união, mas continuando a satisfazer plenamente a
sensualidade, só pode derivar de uma falsa apreciação da vida e de
motivos alheios às retas normas éticas”.
Resumindo, utilizar os métodos naturais
sem ter uma razão realmente grave para tanto, é moralmente ilícito, é
pecaminoso e deriva de uma mentalidade contraceptiva que precisa ser
evitada, pois, além de ser em si pecaminosa, termina conduzindo à
contracepção de fato. Além disso, para que os métodos naturais sejam
utilizados é preciso que os dois cônjuges estejam de acordo, pois tais
métodos supõem a abstenção do ato conjugal durante um certo período e
isso não pode ser feito sem que o dois estejam de acordo, até para não
dar lugar a tentações contra o matrimônio. O casal pode usar os métodos
naturais para aumentar a chance de filhos, evidentemente. Podem, mas
isso não é obrigatório, Ninguém está obrigado a ter o maior número
possível de filhos, mas, sim, a aceitar todos os filhos que Deus enviar
como fruto do uso normal do matrimônio.
A contracepção e a mentalidade
contraceptiva são hoje praticamente onipresentes. E, infelizmente, mesmo
entre os católicos. A crise atual é de fé e moral. E as consequências
são drásticas, lastimáveis e graves. A primeira consequência é, claro,
para o próprio casal que vê a vida matrimonial naufragar. A recusa da
primeira finalidade do matrimônio, que é a procriação, trará grandes
prejuízos para o casal. A contracepção faz que homens e mulheres sejam
vistos como objetos para fins sexuais. Mas a contracepção e a
mentalidade contraceptiva causam também graves problemas na sociedade. O
problema do aborto está diretamente ligado à contracepção. Ora, o
objetivo da contracepção é fazer de tudo para praticar o ato conjugal
sem ter filhos. Com essa mentalidade contraceptiva os filhos passam a
ser vistos como inimigos do casal. Mas, e se os métodos
anticoncepcionais falharem? Ora, a gravidez vai contra a intenção de ter
filhos, então, é preciso fazer um aborto. Depois se segue o
infanticídio, pois se eu posso matar a criança na barriga da mãe, por
que não posso matar assim que ela nascer? E isso já está sendo proposto
em alguns países: o aborto pós-parto, quer dizer, o assassinato da
criança depois de nascida. E tudo isso é lógico, pois o crime é o mesmo –
o assassinato de um bebê – só muda o lugar e o momento. A que ponto
chegamos, caros católicos?
A chamada paternidade responsável por
meio do uso da contracepção é, na verdade irresponsável e causa a
irresponsabilidade. Ela é irresponsável, pois a pessoa quer justamente
praticar um ato sem arcar com as consequências naturais de seu ato. Isso
é o que se chama irresponsabilidade. E se a irresponsabilidade é
defendida em matéria tão fundamental e básica, é claro que ela vai se
propagar para outros domínios da vida. Não é por acaso se as pessoas e a
sociedade tem se tornado cada vez mais irresponsáveis.
O próximo passo, depois do aborto, é a
eutanásia. A razão para não ter crianças é o fato delas serem um peso,
um fardo. O passo seguinte é, então, eliminar os idosos que se tornam
igualmente inconvenientes. Uma vez que o princípio por traz da
contracepção – isto é, o prazer sem responsabilidades e a eliminação de
tudo o que pode ser inconveniente – foi aceito, as consequências lógicas
chegam, mais cedo ou mais tarde. E depois dos idosos, serão eliminados
da sociedade todos aqueles que ela de alguma forma acha que são
inconvenientes, que são um peso. E isso começa, por exemplo, com o
aborto dos fetos anencefálicos. Nossa sociedade tão moderna e tão
evoluída faz com muito mais perfeição o que fazia a Alamenha nazista de
Hitler. Nós vemos, então, que a contracepção está na raiz da cultura da
morte e podemos enxergar claramente a gravidade da contracepção e da
mentalidade contraceptiva. E notem que, historicamente, a cultura da
morte, de fato, começa com a contracepção, em seguida passa ao aborto,
depois vem a eutanásia, e, finalmente, a eliminação de todos os que são
considerados um peso por essa sociedade degenerada. Tudo foi muito bem
organizado pelo inimigo do homem. É preciso notar também que quando uma
sociedade se torna contraceptiva, há um aumento da homossexualidade,
pois a contracepção indica que a finalidade das nossas vidas é o prazer
sensual. E se a finalidade é essa, qualquer forma de prazer desse tipo
se torna válida. Tudo está ligado, caros católicos.
É preciso, portanto, ficar longe da
contracepção, da mentalidade contraceptiva e de todas as suas
consequências. A nossa atitude face aos filhos deve ser como a de Nossa
Senhora: “faça-se em mim segundo a vossa palavra”. Os três bens do
casamento são os filhos, a fidelidade e a indissolubilidade, O maior
deles, porém, são os filhos. Os filhos não são um peso e não são um mal.
Ao contrário, eles são a alegria e a glória dos pais. O casal deve
estar sempre aberto a todos os filhos que Deus quer enviar e não podem
evitá-los nunca por métodos anticoncepcionais e só poderão fazê-lo
utilizando métodos naturais se houver razões graves para isso, como
dissemos. Nesse assunto, reitero, é preciso consultar um padre que tenha
segura e sólida doutrina moral.
Aquele filho que o casal quer evitar –
sem ter uma causa grave para tanto – é o filho que, talvez, nos planos
de Deus iria mudar a família, como São Bernardo, que levou para a vida
religiosa mais de trinta familiares. Ou talvez o filho que o casal
queira evitar seja aquele que pode trazer grandes benefícios para a
sociedade. Pode ser o santo de que nossa época tanto precisa. É preciso
confiar também na providência divina. Se Deus manda um filho aos pais
que permanecem fiéis e generosos, ele dará os meios para que os pais
possam, cooperando com a graça divina, educar o filho e ajudá-lo a se
salvar. Deus não pode nos pedir nada que seja impossível. Mas é preciso
também recorrer a Ele. Grandes graças estão reservadas para o casal que
confia na providência divina, aceitando todos os filhos que Deus manda.
Faça-se em mim segundo a vossa palavra.
Em nome do Pai, e do Filho, e do Espírito Santo. Amém.
Fonte:
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