A Alma que ama Jesus Cristo ama o sofrimento
"A Caridade é paciente". A terra é um lugar de merecimentos e por isso é também um lugar de sofrimentos. O céu é nossa pátria, lá Deus nos preparou o repouso numa eterna felicidade. Passamos pouco tempo neste mundo, mas neste pouco tempo temos muitas dores a sofrer. "O homem nascido de mulher vive pouco tempo e é cheio de muitas misérias". (Jó 14,1). É preciso sofrer e todos têm de sofrer; seja justo ou pecador, cada um deve carregar sua cruz. Quem a carrega com paciência salva-se; quem a carrega com impaciência, perde-se. As mesmas misérias diz Santo Agostinho, levam alguns para o céu, e outros para o inferno. Com a prova do sofrimento se distingue a palha do trigo, na Igreja de Deus: quem se humilha nos sofrimentos e se submete a vontade de Deus é trigo destinado ao céu; quem é soberbo e fica impaciente, a ponto de voltar as costas para Deus, é palha que é destinada ao inferno.
No dia do julgamento de nossa salvação, nossa vida deverá ser igual à vida de Jesus Cristo, para merecermos o Paraíso: "Por que os que anteriormente ele conheceu, esses também predestinou a serem conformes à imagem de seu Filho." (Rm 8,29)
O Verbo Eterno desceu à terra para nos ensinar, com seu exemplo, a carregar com paciência as cruzes que Deus nos manda. "Cristo sofreu por vós, deixando-vos um exemplo, a fim de que sigais os seus passos". (1 Pd 2,21). Jesus Cristo quis sofrer para nos encorajar no sofrimento. Qual foi a vida de Jesus Cristo? Foi uma vida de humilhações e sofrimentos: "Desprezado, último dos homens, homem das dores!" (Is 53,3). Sim, a vida de Jesus Cristo foi toda cheia de trabalhos e dores.
O Amor no sofrimento
Como Deus tratou seu filho predileto, do mesmo modo trata a todos aqueles que ele ama e recebe como filhos: "O Senhor castiga os que ama e aflige todo aquele que recebe como Filho." (Hb 12,6). Santa Teresa diz que sentiu na sua alma como se Deus lhe falasse: "Fica sabendo que as pessoas mais queridas de meu Pai são as que são mais afligidas com os maiores sofrimentos." Por esta razão, quando ela se via nos sofrimentos, dizia que não os trocaria por todos os tesouros do mundo. Conta-se que depois de suas morte ela apareceu a uma de suas companheiras e lhe revelou que recebera um grande prêmio no céu. Tinha recebido este prêmio, não tanto por suas boas obras, como pelos sofrimentos suportados em sua vida, de boa vontade e por amor a Deus. E se desejasse por algum motivo voltar à terra, seria unicamente para poder ainda sofrer mais alguma coisa por Deus.
Quem ama a Deus nos sofrimentos recebe dupla recompensa no céu. São Vicente de Paulo afirmava que se deve considerar com grande desgraça nesta vida o não ter nada a sofrer; e acrescentava que uma congregação Religiosa ou uma pessoa que não sofre e a quem todos aplaudem, está próxima de uma queda. Quando São Francisco de Assis passava um dia sem nada sofrer por Deus, temia que Deus tivesse se esquecido dele.
Escreve São João Crisóstomo: Quando o Senhor concede a alguém a graça de sofrer, faz-lhe um bem maior do que se lhe desse o poder de ressuscitar os mortos. Isto por que o homem que faz milagres se torna devedor a Deus, mas no sofrimento Deus se torna devedor ao homem. Quem padece alguma coisa por Deus, se não tivesse outra graça senão a de poder sofrer por amor a Deus, já deveria considerar-se muito recompensado. Por isso, dizia ele, admirava mais a graça dada a São Paulo de ser preso por Jesus Cristo, do que ser arrebatado ao terceiro céu.
A Paciência na dor
"A Paciência produz uma obra perfeita." (Tg 1,4). Isso quer dizer que não existe coisa mais agradável a Deus do que sofrer com paciência e paz todas as cruzes por ele enviadas. É próprio do amor, fazer a pessoa que ama semelhante à pessoa amada. Dizia São Francisco de Sales: "Todas as chagas do redentor são outras tantas palavras que nos ensinam como devemos sofrer por ele. Esta é a sabedoria dos santos, sofrer constantemente por Jesus; assim ficaremos logo Santos." Quem ama o salvador deseja ser como ele, pobre, sofredor e desprezado. São João viu todos os santos vestidos de branco, segurando palmas nas mãos. (Ap 7,9). A palma é o símbolo do martírio; mas nem todos os santos foram martirizados. Por que então todos seguram palmas? Responde São Gregório que todos os Santos foram mártires ou pela espada ou pela paciência. E acrescenta: "Nós podemos ser mártires sem a espada, se guardamos a paciência."
O Mérito de uma pessoa que ama Jesus Cristo consiste em amar e sofrer. Eis o que Deus fez Santa Teresa entender: "Pensa minha filha, que o mérito consiste no gozar? Não, o mérito consiste em sofrer e amar. Veja minha vida cheia de dores. Acredite, minha filha, aquele que é mais amado por meu Pai recebe dele cruzes maiores; ao sofrimento corresponde o amor. Veja estas minhas chagas, as suas dores nunca chegarão a tanto. Pensar que meu Pai admite alguém na sua amizade sem o sofrimento é um absurdo"... Mas acrescenta Santa Teresa: Deus não manda nenhum sofrimento sem pagá-lo imediatamente com algum favor.
São três as principais graças que Jesus faz às pessoas amadas por ele: a primeira, não pecar; a segunda que é maior, o fazer boas obras; a terceira, que é a maior de todas, sofrer por seu amor. Dizia Santa Teresa que quando alguém faz algum bem a Deus, o Senhor lhe paga com alguma cruz. Eis por que os agradeciam a Deus ao receberem os sofrimentos.
São Luis, Rei da França, falando da escravidão que sofreu na Turquia, diz: "Eu me alegro e fico muito agradecido a Deus mais pela paciência que me concedeu na minha prisão do que se tivesse conquistado a terra inteira". Santa Isabel, rainha da Hungria, tendo perdido seu esposo, foi expulsa do lugar onde morava com seu filho. Sem abrigo e abandonada por todos, dirigiu-se a um convento dos franciscanos e mandou cantar um hino de ação de graças a Deus pelo favor que ele lhe concedia ao fazê-la sofrer por seu amor.
A dor e o céu
Dizia São José Calazans: "Para ganhar o céu, todo sofrimento é pouco." E São Paulo: "Os sofrimentos do tempo presente não tem proporção com a glória que deverá se revelar em nós." Seria uma grande vantagem sofrer a vida inteira todos os tormentos sofridos pelos mártires, só para gozarmos um momento do céu. Com maior razão devemos então abraçar as nossas cruzes, sabendo que os sofrimentos desta vida curta nos farão conquistar uma felicidade eterna. "As nossas tribulações do momento são leves e nos preparam um peso de glória eterna." (2 Cor 4,17).
Santo Agapito, mocinho de poucos anos, quando foi ameaçado de morte, respondeu: "Que maior felicidade posso eu ter do que a de perder a minha cabeça para vê-la depois coroada no céu?" São Francisco costumava sempre dizer: "O bem que espero é tão grande que todo sofrimento é um prazer para mim." Para obter o paraíso é preciso lutar e sofrer. "Se sofremos com Cristo, com ele reinaremos." Não pode haver prêmio sem merecimento, nem merecimento sem paciência. "Não recebe a coroa, senão aquele que lutou segundo as regras do jogo." (2 Tm 2,12; 2,5). Terá maior coroa quem combate com maior paciência. Coisa admirável! Quando se trata dos bens temporais desta terra os mundanos procuram conquistar o máximo de coisas possíveis. Quando se trata dos bens eternos dizem que basta um cantinho no paraíso. Esse não foi o comportamento dos Santos. Nesta vida contentaram-se com qualquer coisa e desapegaram dos bens terrenos. Tratando-se dos bens eternos eles procuraram ganhar o mais possível. Agora eu lhes pergunto quem age com mais sabedoria e prudência?
Falando desta vida, é certo que quem padece com mais paciência vive com mais paz. Dizia São Felipe Neri que neste mundo não há purgatório: ou é paraíso ou é um inferno. Os que suportam com paciência os sofrimentos desta vida gozam do paraíso. Quem assim não o faz, sofre o inferno! Sim, como escreve Santa Teresa quem abraça as cruzes que Deus lhe manda não as sente. São Francisco de Sales achando-se uma vez cercado de sofrimentos disse: "De algum tempo para cá as grandes tribulações e oposições que sinto me trazem uma paz tão grande e me predizem a união próxima e estável de minha alma com Deus; sinceramente falando, é a única ambição e o único desejo de meu coração." Na verdade, não há paz para aqueles que levam uma vida errada, mas só para quem vive unido com Deus e com sua santa vontade.
Um missionário religioso, nas Índias, assistia uma vez à execução de um condenado. Este, antes de morrer, chamou-o e lhe disse: "Sabe, padre, eu fui de sua congregação Religiosa. Enquanto observava o regulamento de vida, eu era muito feliz. Mas desde que comecei a relaxar, achei tudo difícil e passei a me aborrecer com tudo. Abandonei a vida religiosa para me entregar aos vícios; eles finalmente me trouxeram a este fim desgraçado que agora o senhor está vendo. Digo-lhe isto para que o meu exemplo possa servir a outros." Dizia o Padre Luís da Ponte: "Considere como amargas as coisas doces desta vida e como doces as amargas; assim terá sempre paz." Isso é verdade, por que os prazeres ainda que agradáveis à natureza, deixam sempre o amargor do remorso da consciência devido ao apego desordenado que, as mais das vezes, colocamos neles. Mas as amarguras desta vida, aceitas das mãos de Deus com resignação, tornam-se suaves e queridas às pessoas que amam o Senhor.
Fonte: Santo Afonso de Ligório - A Prática do Amor a Jesus Cristo. Pág: 57 a 63.
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