Não é o prolongamento de uma oração que agrada a Deus e lhe conquista o coração, mas o seu fervor. Uma só Ave-Maria bem rezada tem mais mérito do que cento e cinqüenta mal rezadas.
Vejamos, pois, a maneira de rezar o Rosário para agradar a Deus e nos tomarmos santos.
Em primeiro lugar, é preciso que a pessoa que reza o Rosário esteja em estado de graça, ou pelo menos na resolução de sair do seu pecado, porque a Teologia nos ensina que as boas obras e as orações feitas em pecado mortal são obras mortas, que não agradam a Deus nem podem merecer a vida eterna.
Aconselhamos o Rosário a todas as pessoas: aos justos, para que perseverem e cresçam na graça de Deus; e aos pecadores também, mas para que saiam de seus pecados.
Deus não permita que por nossos conselhos um pecador empedernido transforme o manto da proteção de Nossa Senhora em manto de condenação para velar seus crimes! Ou que transforme o Rosário, que é remédio para todos os males, num veneno mortal e funesto! A corrupção do ótimo é péssima.
Um homem depravado costumava rezar diariamente o Rosário. Certo dia, a Virgem lhe mostrou belos frutos numa bandeja cheia de imundícies. O homem teve horror àquilo, e Ela lhe disse: "É assim que tu me serves, apresentando-me belas rosas num recipiente sujo e corrompido. Achas que posso recebê-las com agrado?"
Não basta, para rezar bem, exprimir nossos pedidos pela excelente forma de oração que é o Rosário, mas é preciso aplicar nisso uma grande atenção, pois Deus ouve antes à voz do coração que à da boca.
Rezar a Deus com distrações voluntárias seria uma grande falta de respeito, que tornaria os nossos Rosários infrutíferos e nos encheria de pecados.
Como pretender que Deus nos ouça, se nós mesmos não nos ouvimos? E se enquanto invocamos a terrível Majestade que faz a todos tremerem, nos pomos voluntariamente a correr atrás de uma borboleta?
Proceder assim é afastar a bênção do Senhor e correr o risco de vê-la mudada em maldição: "Maldito o que faz a obra de Deus com negligência" (Jer 48, 10).
De fato não é possível rezar o Rosário sem nenhuma distração involuntária; é até mesmo bem difícil rezar uma única Ave-Maria sem que a imaginação sempre mutante não vos afaste em algo a atenção. Mas vós podeis rezar sem distrações voluntárias, e deveis adotar todos os meios para diminuir as involuntárias e fixar a atenção.
Para isso, colocai-vos na presença de Deus, pensando que Ele e sua santa Mãe tem os olhos postos sobre vós.
Pensai que vosso Anjo da Guarda está à vossa direita, colhendo as Ave-Marias que rezais, quando elas são bem rezadas, como se fossem rosas, para com elas tecer uma coroa para Jesus e Maria; e que, pelo contrário, o demônio está à vossa esquerda e ronda em torno de vós para devorar vossas Ave-Marias e as anotar no seu livro da morte, se elas são rezadas sem atenção, devoção e modéstia.
Sobretudo, não deixeis de fazer os oferecimentos das dezenas em honra dos mistérios, e de vos representar na imaginação a Nosso Senhor e à sua Santíssima Mãe no mistério que estais honrando.
Lê-se na vida do Beato Hermann, da Ordem premonstratense, que quando ele rezava o Rosário com atenção e devoção, meditando nos mistérios, a Santíssima Virgem lhe aparecia toda esplendorosa de luz, com uma beleza e majestade arrebatadoras.
Mas, tendo sua devoção esfriado e não rezando mais o Rosário senão às pressas e sem atenção, Ela lhe apareceu com a face enrugada, triste e desagradada.
Hermann se espantou com a mudança, e a Virgem lhe disse: "Apareço diante dos teus olhos como me encontro na tua alma, pois tu me tratas como a uma pessoa vil e desprezível. Onde está aquele tempo em que me saudavas com respeito e atenção, meditando os meus mistérios e admirando as minhas grandezas?"
Como não há oração mais meritória à alma e mais gloriosa a Jesus e a Maria do que o Rosário bem rezado, também não há nenhuma que seja mais difícil para bem rezar e na qual seja mais difícil perseverar, sobretudo por causa das distrações que vêm como que naturalmente na repetição freqüente da mesma oração.
Quando se reza o Ofício da Santíssima Virgem, ou os Sete Salmos, ou algumas outras orações, a variedade dos termos em que essas orações são concebidas detém a imaginação e recreia o espírito, dando por isso facilidade à alma para bem rezá-las.
Mas no Rosário, como há sempre os mesmos Pais-Nosso e Ave-Marias para rezar, e a mesma forma a manter, é difícil que não se acabe aborrecendo, que não se acabe adormecendo e que não se o abandone para procurar outras formas de oração mais agradáveis e menos cansativas.
Por isso, é preciso ter infinitamente mais devoção para perseverar na recitação do santo Rosário do que para qualquer outra oração, ainda mesmo os Salmos de Davi.
O que aumenta essa dificuldade é a nossa imaginação volátil e a malícia do demônio, infatigável para nos distrair e nos impedir de rezar.
Que faz esse espírito maligno enquanto estamos rezando nosso Rosário contra ele?
Antes de começar a oração, ele aumenta nosso aborrecimento, nossas distrações e nossas prostrações. Enquanto rezamos, ele nos acossa de todos os lados. E depois que tivermos rezado com muita dificuldade e distrações, elo nos sopra ao ouvido: "Nada rezaste que preste; teu terço de nada valeu; melhor farias se trabalhasses e cuidasses dos teus negócios; perdes tempo rezando tantas orações vocais sem atenção; uma meia-hora de meditação ou uma boa leitura valeriam muito mais; amanhã, quando estiveres com menos sono, rezarás com mais atenção, deixa o resto do teu Rosário para amanhã".
É assim que o demônio, com seus artifícios, freqüentemente consegue que abandonemos o Rosário, inteiro ou em parte, ou faz com o que troquemos ou o deixemos para o dia seguinte...
Não lhe deis crédito, caro devoto do Rosário, e não desanimeis, ainda que durante todo o Rosário vossa imaginação tenha estado preenchida com distrações e pensamentos extravagantes, se vós os procurastes expulsar da melhor forma possível logo quando vos destes conta deles.
Vosso Rosário é tanto melhor quanto mais meritório for; ele é tanto mais meritório quanto mais difícil for, ele é tanto mais difícil quanto menos naturalmente for agradável à alma e mais cheio for dessas miseráveis pequenas moscas e formigas que fazem a imaginação correr de um lado para o outro apesar da vontade, não dando à alma tempo para saborear o que reza e repousar em paz.
Se for preciso combater, durante o Rosário, contra as distrações, combatei valentemente de armas na mão, ou seja, prosseguindo o Rosário, ainda que sem nenhum gosto nem consolação sensível.
É um combate terrível, mas é salutar à alma fiel.
Se deixais cair as armas, quer dizer, se abandonais o Rosário, sois vencidos, e então o demônio, como vencedor, vos deixará em paz, mas no dia do Juízo vos acusará por vossa pusilanimidade e infidelidade.
"Quem é fiel nas pequenas coisas também o será nas grandes" (Lc 16, 10). Quem é fiel em rejeitar as menores distrações na menor parte de suas orações, será também fiel nas maiores coisas.
Coragem, pois, bom e fiel servidor de Jesus Cristo e da Santíssima Virgem, que tomastes a resolução de rezar o Rosário todos os dias! Que a multidão das moscas (chamo assim as distrações que vos fazem guerra enquanto rezais) não vos faça deixar covardemente a companhia de Jesus e de Maria, na qual estais quando dizeis vosso Rosário. A partir daqui indicarei os meios para diminuir as distrações.
Invocai inicialmente o Espírito Santo para bem rezar o vosso Rosário, e colocai-vos em seguida um momento na presença de Deus.
Antes de começar cada dezena, parai um pouco para considerar o mistério que estais celebrando, e pedi sempre, pela intercessão de Maria Santíssima, uma das virtudes que mais ressaltam naquele mistério ou da qual tendes mais necessidade.
Tomai, sobretudo, cuidado com dois erros comuns, que cometem quase todos os que rezam o terço ou o Rosário:
O primeiro é não formular nenhuma intenção, de sorte que se lhe perguntais porque estão rezando, não vos saberiam responder. Tende, pois, sempre em vista, ao rezar o Rosário, alguma graça a pedir, alguma virtude a imitar ou algum pecado a evitar.
O segundo erro que se comete freqüentemente é não ter em vista, ao começar o Rosário, outra coisa senão acabá-lo o quanto antes.
É uma pena ver como a maior parte das pessoas rezam o Rosário. Rezam-no com uma precipitação espantosa, devoram até a maior parte das palavras. Não se cumprimentaria desse modo ridículo ao último dos homens e, no entanto se imagina que Jesus e Maria se sentem honrados com isso!...
O Beato Alano de la Roche e outros autores, entre os quais Belarmino, contam que um bom sacerdote aconselhou a três penitentes que tinha, e que eram três irmãs, que rezassem devotamente todos os dias o Rosário, durante um ano, para formar um belo vestido de glória para Nossa Senhora. Acrescentou que isso era um segredo que ele tinha recebido do céu.
As três irmãs o rezaram durante um ano. No dia da Purificação, à noite, quando as três estavam deitadas, a Virgem, acompanhada por Santa Catarina e Santa Inês, entrou no quarto delas, vestida com um traje todo resplandecente de luz, no qual estava escrito, com letras de ouro: "Ave Maria, cheia de graça".
A Rainha do Céu se aproximou do leito da mais velha das irmãs e lhe disse: "Eu te saúdo, minha filha, que tantas vezes e tão bem me saudaste. Venho agradecer-te o belo vestido que me fizeste".
As duas santas Virgens que A acompanhavam lhe agradeceram também e as três desapareceram.
Uma hora depois, a Virgem veio mais uma vez ao quarto, com as mesmas acompanhantes. Trajava um vestido verde, mas sem ouro nem luz. Aproximou-se do leito da segunda irmã e lhe agradeceu o vestido que lhe fizera.
Mas, como esta segunda irmã já tinha visto a Santíssima Virgem aparecer à mais velha com maior brilho, perguntou-Lhe o motivo: “É porque ela me fez um vestido mais bonito, rezando o Rosário melhor do que tu” - respondeu a Virgem.
Cerca de uma hora depois, Nossa Senhora apareceu uma terceira vez à mais jovem das irmãs, vestida com trapos sujos e rasgados, e disse: "Ó filha, tu assim me vestiste, Eu te agradeço por isso".
A jovem, coberta de confusão, exclamou: "Oh! Senhora, perdão por Vos ter vestido tão mal! Peço-Vos tempo para rezar melhor o Rosário e Vos preparar um vestido mais belo".
Tendo desaparecido a visão, a jovem, muito aflita, contou ao confessor o que se tinha passado. Ele exortou as três a rezarem o Rosário com mais perfeição do que antes.
Ao cabo de um ano, no mesmo dia da Purificação, a Virgem novamente lhes apareceu, vestida com um traje maravilhoso e mais uma vez acompanhada por Santa Catarina e Santa Inês, que levavam coroas, e lhes disse: "Tende certeza, filhas, do Reino dos Céus, no qual entrareis amanhã, com grande alegria", ao que as três responderam: "Nosso coração está pronto, caríssima Senhora, nosso coração está pronto".
A visão desapareceu. Na mesma noite, sentiram-se mal, mandaram procurar o confessor, receberam os últimos sacramentos e agradeceram ao confessor pela santa devoção que lhes tinha ensinado.
Depois, a Santíssima Virgem lhes apareceu, acompanhada por grande número de virgens, fez vestir as três irmãs com vestidos brancos. Depois partiram as três, enquanto os Anjos cantavam: "Vinde, esposas de Jesus Cristo, recebei as coroas que vos estão preparadas desde a eternidade".
Há muitas verdades a aprender com essa história:
1° Como é importante ter bons confessores que inspirem bons exercícios de piedade e em particular o santo Rosário;
2° Como é importante rezar o Rosário com atenção e devoção;
3° Como a Santíssima Virgem é benigna e misericordiosa para com aqueles que se arrependem do passado e se propõem a proceder melhor;
4° Como Ela é generosa para recompensar durante a vida, na hora da morte e na eternidade, os pequeno serviços que Lhe são prestados fielmente.
Acrescento que se deve rezar o Rosário com modéstia, quer dizer, tanto quanto possível de joelhos com as mãos postas, tendo o Rosário nas mãos.
Se, entretanto, se está doente, pode-se rezá-lo na cama; se em viagem, pode-se rezá-lo caminhando; se por qualquer enfermidade não se pode estar de joelhos, pode-se rezar de pé ou sentado.
Pode-se até mesmo rezar o Rosário trabalhando quando não se pode deixar o trabalho por causa dos deveres profissionais; pois o trabalho manual nem sempre é contrário à oração vocal.
Aconselho-vos a dividir o vosso Rosário em três terços, em três diferentes horas do dia; é melhor dividi-lo assim do que rezá-lo de uma só vez.
Se não tendes tempo para rezar o terço do Rosário de uma só vez, rezai uma dezena aqui, uma dezena acolá, de tal forma que, apesar das vossas ocupações e negócios, tenhais o Rosário inteiro rezado antes de vos deitardes à noite.
(São Luís Maria Grignion de Montfort. A eficácia maravilhosa do santo Rosário, Séria Cultura Religiosa n° 11, Artpress – São Paulo – 2000, Capítulo 6, p. 50-59)
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